terça-feira, 27 de abril de 2010

UMBANDA: UMA RELIGIÃO UNIVERSAL

É lugar comum, encontrar em vários textos que se referem a Umbanda, a confinante classificação de “religião cultural”. Sinto pelos que concordam, mas me debato fervorosamente a esta idéia. É certo que pertenço a uma “nova geração” de umbandistas. Não tenho raízes apontadamente africanas, nunca freqüentei um terreiro de “chão de barro” e desde que me lembro, sempre ouvi explicações, senão científicas, ao menos lógicas para todo e qualquer fenômeno ocorrido dentro de uma gira de Umbanda. Dentro da irmandade espiritual a que pertenço, temos pessoas de todas as classes, níveis culturais e correntes intelectuais. Médicos, jardineiros, professores, promotores de justiça, vendedores, engenheiros, donas de casa, diaristas, advogados, artistas, enfim, uma gama bastante variável em termos de cultura e origens as mais diversas. Então a conclusão me parece óbvia: A Umbanda não é uma religião cultural, porque não depende de uma determinada cultura apenas. Uma religião cultural é a religião que pertence especificamente a um grupo cultural, como podemos observar no bramanismo ou judaísmo. A Umbanda, não pode ser considerada uma religião deste gênero, porque é universal.

Eu explico: A Umbanda é uma religião essencial ao ser humano, enquanto consideramos a sua essência, não apenas a sua porção corpórea, mas também a sua causa psíquica e espiritual. Seus fundamentos, encontrados similarmente em diversas religiões, cultos e correntes filosóficas através do tempo e espaço humano, não pertencem à esquemática de um ciclo determinado da cultura humana, mas sim ao sistema do homem enquanto homem, por isso não pode ser limitada a uma cultura ou grupo social, mas sim encarada como um caminho da própria natureza do ser humano.

A Umbanda, mesmo que hoje isto já seja bastante óbvio, não pode ser considerada uma religião racial porque não depende de qualquer raça. E seria um erro julgar apenas que fosse uma manifestação amálgama, um estágio posterior ao encontro dos cultos africanos com a doutrina espírita européia, com influências sincréticas do cristianismo ou crenças indígenas nativas. Embora em sua forma atual perceba-se esta fusão de elementos culturais diferentes, alguns até antagônicos, conciliados em uma percepção global do Sagrado, absolutamente não é esta sua condição final. Nem tão pouco pode ser considerada uma religião de classes, porque embora determinadas classes em determinados contextos possam formar suas religiões e as têm formado ao longo dos anos, a Umbanda não pertence a nenhuma classe, ou casta, porque não depende delas para ser.

A Umbanda é uma religião da espécie humana, tomada em sua totalidade: corpo, mente e espírito. Assim, mesmo formando-se e surgindo em uma determinada área racial e cultural, pertence a mais genérica parte do ser humano, o anseio do homem pelo Sagrado. Porque a preocupação com o corpo, a mente e a alma humanos independe, inclusive, do tempo, quanto mais da cultura, espaço ou classe social. A Umbanda, apreendida através do contato com a espiritualidade superior, poderia surgir – se é que não o fez - em qualquer instante do tempo, não estando simplesmente determinada a condições históricas em que surgiu. Essas talvez, apenas facilitaram e facilitam sua atual percepção. Poderia ter surgido antes, como poderia ter surgido depois. Aqui ou ali em relação ao espaço geográfico. Por isso as suas possibilidades não dependem das condições culturais, porque pertencendo aos anseios inerentes ao homem enquanto homem se torna, então, universal.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009


"A vida é um espelho. Você não pode esquecer que o que você faz contra alguém vai refletir em você que está do outro lado..."
Pai Joaquim da Bahia (Carlos Alberto) respondendo a uma consulente que havia ido em um outro terreiro fazer trabalho contra o ex-marido e estava agora reclamando que a vida dela é que estava dando pra trás enquanto a do marido estava ótima.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

AS ORIGENS DA UMBANDA (3): RITUAIS INDIGENAS SEM PARÂMETROS NO VELHO MUNDO


Ao se depararem com os índios brasileiros, os padres jesuítas e reformadores calvinistas ficaram espantados com o que esperava por eles nestas terras. Ao contrário dos indígenas antes encontrados pelos colonizadores das Américas, os nossos índios tinham uma concepção religiosa e mística que espantou aos estudiosos da época, mas que hoje nos soaria extremamente familiar. São inúmeros os relatos onde a estrutura moral e concepção religiosa do indígena brasileiro, antes de ingênua ou selvagem como imaginavam os europeus, era na verdade de grande maturação espiritual se vista como o entendimento atual.

Em seu livro “Chronica da Companhia de Jesus”, padre Simão de Vasconcelos relata: “Os índios do Brasil, de tempos imemoriais a esta parte, não adoram expressamente Deus algum: Nem tem templo, nem sacerdote, nem sacrifício, nem fé, nem lei alguma”. Para continuar mais adiante: “Disse do Brasil, porque dos Índios de quase todas as outras partes da América, do Peru, do México, Nova Espanha etc, sabemos o contrário, e que acharam aqueles primeiros seus descobridores grandes indícios, e ruínas de templos famosos, de variedades de ídolos, cerimônias e cultos”. Mesmo espantado com a falta de “adoração” por parte dos índios brasileiros, Simão de Vasconcelos não deixa de notar que “claramente por comum não reconhecem deidade alguma, tem contudo uns confusos vestígios de uma Excelência superior, (...) os mesmos vestígios há entre eles da imortalidade da alma e da outra vida;”

Na verdade, o que ele não entendia, é que desde aquela época, nossos índios tinham o costume de se comunicar com seus antepassados, através do transe mediúnico induzido através do tabaco e bebidas fermentadas. O que para ele era um sinal de selvageria e uma festa pagã, para os nossos índios era uma cerimônia com direito a passes, rezas e aconselhamentos. Observem como o mesmo Padre Simão relata o que viu os índios brasileiros fazerem, depois de usarem o tabaco e o vinho: “depois de assim animados, fazem visagens e cerimônias, como se foram endemoninhados, dizem aos outros o que lhes vem à boca, ou o que lhes ministra o diabo; e tudo o que dizem enquanto dura aquele desatino crêem firmemente, qual se fora entre nós a revelação de algum Profeta. (...)A uns ameaçam más venturas e a outros boas, (...)como dito de alguma Deidade”. Padre Simão de Vasconcellos relata ainda neste mesmo livro e em outro em que narra a vida do também padre João de Almeida, diversos casos onde a tradição indígena demonstra resultados espantosos, claro que sempre interpretados pelos europeus como “notáveis espécies de feitiçarias”.

Sem parâmetros de comparação com a “civilização” européia, o índio brasileiro vivia, antes da chegada do homem branco, em perfeita comunhão com a natureza, seus ancestrais e sua religiosidade. Se causou espanto aos pretensos colonizadores o modo como agiam, os selvagens que não tinham “nem fé, nem rei e nem lei” conforme escreveu em 1584, Gabriel Soares de Souza, viviam a seu modo simples em média até os 120 a 140 anos. Sua sabedoria e simplicidade, ficam claras nas palavras que o missionário francês Jean de Léry coloca na boca de um velho caraíba, no livro “Viagem à Terra do Brasil” de 1578: "(…)há muito tempo, já não sei mais quantas luas, um mair como vós, e como vós vestido e barbado, veio a este país e com as mesmas palavras procurou persuadir-nos a obedecer a vosso Deus; porém, conforme ouvimos de nossos antepassados, nelle não acreditaram. Depois dêsse veio outro e em sinal de maldição doou-nos o tacape com o qual nos matamos uns aos outros
”.


A SEGUIR: AS ORIGENS DA UMBANDA (4): JESUÍTAS X CARAÍBAS, SINCRETISMO NO NOVO MUNDO

Para quem quer saber mais:
Viagem a terra do Brasil – Jean de Léry – 1578
Tratado Descritivo do Brasil - Gabriel Soares de Souza - 1584
Crônica da Companhia de Jesus - Padre Simão de Vasconcellos – 1663
Profetas e Santidades Selvagens – Cristina Pompa - 2001